A atividade comercial tradicional nas cidades intermediárias cumpre um importante papel de estruturador da vida urbana, por sua capacidade de potencializar o desenvolvimento de outras atividades e pelo sentido de pertencimento que gera. No entanto, cada rua ou centro comercial é único, por sua história, seus edifícios, suas ruas, seus habitantes e seus usuários.
Por Dr. Arq. Guillermo Tella, Doutor em Urbanismo e Lic. Alejandra Potocko, Licenciada em Urbanismo
Em tal sentido, cada uma deve ser analisada, projetada e gerida de modo particular, com as contribuições daqueles que a fazem, a vivem e a consomem. Sendo assim, os elementos chave para dar valor para revitalizar áreas urbanas e fomentar o comércio varejista constituem: a iniciativa, a gestão e a participação. De quem a iniciativa surja determina em grande medida o modelo de gestão adotado e os mecanismos e níveis de participação dos diferentes atores envolvidos.
Em cidades de tamanho médio, as associações de comerciantes podem programar várias estratégias de fomento do comércio local: obter uma visão de conjunto sobre o centro comercial de sua incumbência já é uma estratégia de progresso. Quando se associam para elaborar estratégias sobre atenção ao público, cartazes, folhetos, treinamentos, promoções, etc., obtêm maiores benefícios. Se em conjunto elevam inquietudes ao município, mediante o apoio de outras entidades, como universidades, câmaras, federações, pode-se atingir uma sedimentação de reivindicações em projetos, convênios ou planos, a partir da qual eles podem ver aumentadas as suas capacidades para progredir.
As administrações municipais, por sua parte, também possuem iniciativa quando veem a possibilidade de concretizar uma obra que beneficiará o conjunto da cidade, e incorporam aos comerciantes convocando-os a participar do desenho, da execução e da gestão de diferentes projetos de valorização dos centros comerciais. Em geral, este tipo de iniciativa aparece com a vontade política de planejar a cidade, materializando-se em um Plano Urbano, um Plano Estratégico, ou uma série de projetos articulados.
Entre os pedestres, o passeio e a “palermização”
A tradicional cidade de Mar Del Plata, com toda sua beleza e esplendor, oferece uma rica variedade de desenvolvimentos comerciais. O calçadão San Martín, a rua Güemes, a avenida Juan B. Justo, a rua Alem e o entorno do porto são alguns dos locais privilegiados.
A área central da cidade da cidade constitui o local principal de concentração de comércio. Está delimitado pela rua Catamarca, a avenida Pedro Luro e a costa. Sua coluna vertebral desde o mar até a Diagonal Pueyrredón com a Feira de Artesanatos e os dois centros comerciais, é o calçadão San Martín, a rua comercial por excelência da cidade. Complementam a oferta: a rua Güemes (de intensa atividade e sofisticação), a avenida Juan B. Justo (conhecida como “a zona dos pulôveres), a rua Alem (de grande agito noturno) e o Centro Comercial e Gastronômico do Porto.
O calçadão San Martín desenvolve-se ao longo de sete quadras, desde a Rua Buenos Aires até a Rua Bartolomé Mitre e foi inaugurado em 1980 como “Passeio Comercial do Centro”. Oferece uma grande quantidade de locais comerciais, centros gastronômicos, serviços e entretenimento e constitui o local de congregação de muitos artistas de rua na temporada de verão.
Por outro lado, o eixo da Rua Güemes foi transformado, nos últimos anos, em um verdadeiro passeio comercial, ao estilo de um “shopping a céu aberto”. Localiza-se estrategicamente aos pés dos bairros Los Troncos e Playa Grande. É, assim, o centro comercial mais elegante da cidade, tendo sofrido um processo de transformação que alguns se aventuram a chamar de “Palermização”.
Devido à revalorização da zona e dada a mesma transformação na oferta comercial, uma profunda renovação urbana está acontecendo, o que implica a demolição do patrimônio histórico para a construção de áreas comerciais sob diferentes formatos (galerias ou comércios de rua). Tal é o processo de expansão comercial na zona, que o boom transcende a esta artéria, ocupando cada vez mais ruas transversais. No entanto, ações para proteger as áreas de valor não adquirem visibilidade.
Visão estratégica para a revitalização comercial
A cidade de Villa Mercedes, com cerca de 100 mil habitantes, é a segunda localidade em importância econômica da província de San Luis, próxima da cidade capital e, como tal, também segue em importância a potência de seu centro comercial, muito ativo, dinâmico e pujante. O governo local promoveu com êxito, e em associação com entidades intermediárias, um programa de revitalização de seus centros comerciais.
No contexto de uma região agrícola, industrial e pecuarista, Villa Mercedes constitui um ponto importante para junção com a Rodovia 7, 8 e 148, que comunicam a leste com Córdoba, Santa Fé e, eventualmente, o sul do Brasil e oeste de Mendoza e Santiago do Chile. Sob o tema "Visão Estratégica", o governo municipal de Villa Mercedes promoveu, através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e de Desenvolvimento do Turismo, o programa chamado "Revitalização de Centros e Eixos Comerciais a Céu Aberto", implementado em várias fases.
A associação estabelecida entre governo municipal, provincial e comerciantes locais, com o valioso apoio da Câmara de Comércio, conseguiu modernizar e embelezar os centros comerciais tradicionais da cidade, fortalecendo o comércio varejista e melhorando a sua competitividade. Talvez a conquista que distingue este desempenho ao longo do outro é o forte impulso de uma cultura associativa. A iniciativa de criar o centro comercial ao ar livre surgiu de um acordo entre o município, o governo provincial, a Câmara de Comércio e instituições locais relacionadas.
A partir do convênio, assumiu-se o compromisso de prestar assessoria para a realização de um projeto integral, com pautas de melhoramento urbanístico, um plano de promoção comercial e uma proposta de gerenciamento do mesmo, além de um programa de capacitação para os comerciantes e seus empregados. Por sua vez, o governo local comprometeu-se a cofinanciar parte do projeto e lançar as obras de melhoramento do espaço público, necessárias para a realização dos centros comerciais ao ar livre, para dar um novo impulso à cidade.
As áreas de atuação estiveram conformadas por dois nós e um eixo conector: (a) o setor do Microcentro; (b) o entorno da estação; e (c) o eixo da Avenida Mitre. Através deste processo, foi conseguido dar à área central uma melhor iluminação, beneficiando diretamente mais de 350 lojas, áreas vizinhas e todos os moradores da cidade, principalmente pela contribuição previdenciária.
Em todos os casos, buscou-se reordenar o trânsito, definindo lugares e horários permitidos de estacionamento, de carga e descarga de mercadoria e fazendo cumprir os lugares específicos de subida e descida dos passageiros do transporte público. Assim mesmo, implementou-se uma etapa de obras executadas pelos mesmos proprietários e comerciantes, através de um incentivo fiscal dirigido a melhorar as condições do espaço público e do espaço privado.
O incentivo consistiu na isenção de taxas e contribuições em 90%, para um montante máximo de cinco mil pesos para aqueles comerciantes que executassem projetos que incluíssem algum dos seguintes itens: obras de requalificação ou mudança de calçadas; construção de vasos para árvores; troca de luminárias de veículos ou pedestres; mobiliário urbano, arborização, sinalização, embelezamento de frentes de locais comerciais; e remoção ou substituição de toldos.
Em consequência, o governo local estabeleceu uma visão estratégica, desenvolveu obras de infraestrutura básica e convocou a iniciativa privada para a finalização da intervenção. Todos os autores envolvidos e a comunidade em particular reconheceram os benefícios de tal atuação.
Maior competitividade para o comércio varejista
A cidade de San Justo, com aproximadamente 20 mil habitantes, está situada a 100 quilômetros ao norte da cidade de Santa Fe, capital provincial, e a 250 de Rosario. Por sua posição estratégica ganhou o nome de “Portão do Norte Santafesino”. Desenvolve-se ao lado da Rota Nacional n º 11 –Autovía "Juan de Garay" – que une Buenos Aires (a 600 quilômetros ao sul) com Assunção no Paraguai tornando-se um dos passos necessários no eixo Mercosul, que liga o país com o Brasil, Uruguai, Paraguai e Chile.
Sua estrutura produtiva concentra-se basicamente em uma única área, da qual participam as grandes empresas. A orientação centrada no local desanima, por sua vez, a expansão da produção às novas exigências e à emergência de novos setores. Neste contexto, a comunidade planejou a possibilidade de impulsionar atividades associativas em torno da produção láctea, característica do lugar, assim como a exportação dos atrativos turísticos e a dinamização da oferta comercial na região.
Desde esta perspectiva, em junho passado, no marco do Plano Estratégico San Justo 2020, a Prefeitura, a Câmara de Comércio e representantes do centro comercial e industrial tradicional de San Justo firmaram um convênio de assistência técnica e cooperação. O objetivo do convênio está centrado em melhorar a competitividade empresarial dos comércios varejistas, a partir do desenvolvimento de um projeto associativo público-privado.
Em tal sentido, foram definidos de maneira preliminar, três possíveis eixos comerciais: o da Avenida Iriondo, o da Avenida 9 de julho e o da Rota Nacional 11. Isto implica na criação de um centro comercial a céu aberto e a conformação de uma entidade de gerenciamento para a direção de gestão empresarial do projeto e a posterior formulação de estratégias de promoção comercial.
Estratégias de gestão e espaços de participação
Em raras circunstâncias, os projetos de intervenção sobre os centros comerciais surgem unicamente por iniciativa e impulso do município, mediante obra pública e projetos de reconversão das áreas centrais. Nestes casos, as administrações municipais atuam como facilitadores da inversão, mediante a normativa urbana, as autorizações concedidas e a execução de obras complementares de infraestrutura ou projetos de reordenamento de trânsito.
Neste âmbito, a gestão dos projetos de intervenção poderá ser de caráter público -fundamentalmente mediante obras de infraestrutura, de caráter privado – mediante a inversão privada ou a associação entre comerciantes- ou finalmente, mediante modelos de gestão público-privadas - que normalmente incorporam mecanismos inovadores de participação.
Os casos mais progressistas neste sentido são, desde já, os que incorporam a participação dos comerciantes através de suas câmaras ou associações. As metodologias participativas e o nível de envolvimento variam caso a caso. Isto demonstra que, além da envergadura da intervenção, é a capacidade de iniciação, as estratégias de gestão e os espaços de participação o que estabelece a chave do desenvolvimento.
Texto por Dr. Arq. Guillermo Tella, Doutor em Urbanismo e Lic. Alejandra Potocko, Licenciada em Urbanismo via Plataforma Urbana. Tradução Archdaily Brasil.